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terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Quem é bárbaro afinal?

O relativismo cultural teve sempre uma grande importância prática, ou seja, lutar contra o etnocentrismo, o imperialismo e o colonialismo, dizendo, afinal de contas, que todas as culturas têm o mesmo direito de viver e, portanto, de serem preservadas. Nada contra essa noção puramente prática do relativismo cultural, que é uma maneira de defender a igual dignidade de todas as culturas. Mas, do ponto de vista teórico e, consequentemente, de alguns pontos de vista práticos, o relativismo tem três limites que estão inter-relacionados. O primeiro limite é que para o relativismo cultural tudo é cultura. Ou seja, um acto, uma prática, ou um valor, desde que seja feito ou exprima algo que pertença a um determinado povo, e apareça como uma expressão da cultura dele, a partir desse momento, então, não dá para mais julgar, porque isso faz parte da cultura desse povo.O segundo limite é que, justamente, o relativismo cultural leva ao relativismo moral, isto é, tudo se equivale – o bem e o mal, o facto da mutilação, de vender crianças como mercadorias, por aí fora – porque, se faz parte da tradição de um povo, então é uma boa maneira de defendê-la, e ponto final. Aí o relativismo moral conduz a uma espécie de relativismo político, porque não se pode agir contra algo de uma cultura determinada, já que faz parte da cultura deles. O terceiro limite é que o relativismo cultural não leva em conta que, em qualquer sociedade, em qualquer momento da história, existem contradições dentro dessa sociedade, dentro dessa cultura. Uma prática que pode ser, para nós, uma pura expressão da cultura deles, na realidade, nessa mesma cultura, pode ser contestada de vários modos. Mas como as críticas internas a essa cultura poderiam ter o nosso apoio se, para nós, se trata apenas de um relativismo cultural!?
Para além das posições do etnocentrismo cultural, para quem o bárbaro é sempre aquilo que caracteriza a outra cultura diferente, e para além das posições do relativismo, que impedem qualquer juízo moral sobre outras culturas, como, então, no seu entendimento, é possível e correcto definir o bárbaro?
À primeira vista, podemos simplesmente dizer que é bárbaro quem não acredita na barbárie. Igualmente, é bárbaro quem acredita que existe uma oposição absoluta entre a civilização, que ele mesmo representa, e a barbárie, que é o outro. Então, acreditar numa noção absoluta de barbárie, oposta à civilização, já é o começo da barbárie. No entanto, isso pode muito bem levar ao relativismo cultural. E como escapar disso? Só existe uma maneira de definir a civilização e, portanto, a barbárie. A civilização é a possibilidade de uma cultura conviver com uma outra cultura. Ou seja, um momento histórico, ou uma sociedade, são civilizados quando podem aceitar a diversidade de culturas dentro do seu próprio modo de representação interna, e levando em conta que elas podem conviver com outras. A civilização é, meramente, a possibilidade da existência da diversidade de culturas. Quanto ao bárbaro, ele é aquele que não pode suportar a existência de uma outra forma de humanidade – que não seja a que ele conhece –, ou seja, tudo o que não é absolutamente parecido com ele mesmo não é humano. Essa seria a definição da barbárie e aplica-se aos conquistadores, por exemplo, que não acreditavam que os índios poderiam ser homens; aplica-se aos nazis, que acreditavam que os judeus ou os ciganos não eram homens. Essa é a única forma absolutamente incontestável de barbárie.