foto de Bernardo Costa Ramos
Quase que chegou a horas daquela vez...
Toda a sua vida chegou sempre cedo demais a tudo o que fosse esperado chegar. Poderia fazer um relato extensíssimo, como se fosse a lista de compras de final do mês, e mesmo assim a vida não chegaria sequer para comprar tudo o que vinha nela.
Quando nasceu, cedo demais, disseram que parecia ser mais velho do que aparentava...estranha coisa de se dizer acerca de algo que acabara de despertar para a vida, contudo o consenso era geral. Na idade dos porquês já sabia as respostas antes da necessidade das perguntas, sendo assim não falava quase nada. Passava por um ser tímido, outras vezes pedante, por não dar o outro lado da sua face à sociedade que o rodeava. A sua própria sombra assombrava-se com tamanha rapidez e discrição do corpo ao qual estava associada, pois de cada vez que queria fazer a mimese do mesmo, a sua intenção estava dessincronizada alguns minutos...
O seu primeiro beijo perdeu o sabor antes de chegar aos lábios e morreu na vontade de ser dado. Tal experiência marcara-o tão intensamente que passou a julgar todos os casais de namorados como seres insensíveis que apenas representavam um papel ditado pelas normas sociais do estado humano. Eis a sua noção de tentar entender o mundo: como se fosse realmente um palco e cada um desempenhando um papel pago pelo destino. Batiam as palmas apenas aqueles seres iluminados como ele que conseguiam ver por detrás da cortina. E vivia cada um dos seus dias com a certeza de estar um passo à frente da própria Vida.
Quando proferiam o que quer que fosse à sua frente, de antemão a sua mente testava os limites da flexibilidade em termos de chegar a todas as interpretações possíveis e saber entrelinhas era ofício seu, sagrado como o de um deus menor.
Como estava tão ocupado com todas estas suas considerações, que achava de todo naturais, não se apercebia de que a Vida também era fruto do acaso, e dos contrastes, e das montanhas russas e pessoais, e todos esses afins desequilibrados. Viver como vivia era um todo monolítico que prendia muito mais do que a árvore secular que via través da sua janela, todos os dias. Estava lá e era apenas isso e nada mais, provando que bastava existir. Contrato assinado; dia acabado; missão cumprida...e comprida. Quem passava à sua beira, por uns instantes que fossem, sentia a âncora desse peso antecipado na sua determinação: a de que ele chegava sempre cedo demais porque sabia tudo.
Mas, desta vez, quase que chegou a horas...deteve-se a olhar para as aves que desciam sobre ele como se fossem buscar o pão de todos os dias directamente das suas mãos...um dos negros anjos alados olhou-o de frente e sentiu-se derrotado. Apesar de ser a hora de o levar...ele ainda assim, chegara um pouco cedo demais, antecipando-se à sua tarefa.
O corpo, mesmo que ainda inspirando e expirando alguns restos de vida, já estava vazio; a sua alma caminhava sozinha à frente da morte.
Quando nasceu, cedo demais, disseram que parecia ser mais velho do que aparentava...estranha coisa de se dizer acerca de algo que acabara de despertar para a vida, contudo o consenso era geral. Na idade dos porquês já sabia as respostas antes da necessidade das perguntas, sendo assim não falava quase nada. Passava por um ser tímido, outras vezes pedante, por não dar o outro lado da sua face à sociedade que o rodeava. A sua própria sombra assombrava-se com tamanha rapidez e discrição do corpo ao qual estava associada, pois de cada vez que queria fazer a mimese do mesmo, a sua intenção estava dessincronizada alguns minutos...
O seu primeiro beijo perdeu o sabor antes de chegar aos lábios e morreu na vontade de ser dado. Tal experiência marcara-o tão intensamente que passou a julgar todos os casais de namorados como seres insensíveis que apenas representavam um papel ditado pelas normas sociais do estado humano. Eis a sua noção de tentar entender o mundo: como se fosse realmente um palco e cada um desempenhando um papel pago pelo destino. Batiam as palmas apenas aqueles seres iluminados como ele que conseguiam ver por detrás da cortina. E vivia cada um dos seus dias com a certeza de estar um passo à frente da própria Vida.
Quando proferiam o que quer que fosse à sua frente, de antemão a sua mente testava os limites da flexibilidade em termos de chegar a todas as interpretações possíveis e saber entrelinhas era ofício seu, sagrado como o de um deus menor.
Como estava tão ocupado com todas estas suas considerações, que achava de todo naturais, não se apercebia de que a Vida também era fruto do acaso, e dos contrastes, e das montanhas russas e pessoais, e todos esses afins desequilibrados. Viver como vivia era um todo monolítico que prendia muito mais do que a árvore secular que via través da sua janela, todos os dias. Estava lá e era apenas isso e nada mais, provando que bastava existir. Contrato assinado; dia acabado; missão cumprida...e comprida. Quem passava à sua beira, por uns instantes que fossem, sentia a âncora desse peso antecipado na sua determinação: a de que ele chegava sempre cedo demais porque sabia tudo.
Mas, desta vez, quase que chegou a horas...deteve-se a olhar para as aves que desciam sobre ele como se fossem buscar o pão de todos os dias directamente das suas mãos...um dos negros anjos alados olhou-o de frente e sentiu-se derrotado. Apesar de ser a hora de o levar...ele ainda assim, chegara um pouco cedo demais, antecipando-se à sua tarefa.
O corpo, mesmo que ainda inspirando e expirando alguns restos de vida, já estava vazio; a sua alma caminhava sozinha à frente da morte.