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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

foto de José de Almeida

Cada pétala desassossegada

que cai nas teclas brancas e negras

descobre a melodia mais suave

que as palavras podem tomar no caule de uma flor

No teu corpo adormecido

sobre a cauda desse piano

tocado gentilmente

pelas mãos de um artista.

Aquele a quem chamam de criador eterno

não sei se um deus ou a Natureza,

ela própria,

mas as mãos de quem dá a vida

e, ao mesmo tempo,

asfixia o seu testemunho

neste tempo e neste lugar.

Vi-te adormecendo descuidadamente

como se não existisse uma plateia

envergando máscaras de predadores

e como se essa mesma plateia

não fosse capaz de se mover do seu lugar

e tu dominasses a segurança

de ser o alvo sob os holofotes.

Arrastei a cadeira ruidosamente

só para te despertar.

Deixei-a cair, também.

Caminhei em direcção ao palco

e não senti os aplausos cairem sobre o meu rosto.

Sobre o meu corpo. Sobre o meu âmago.

Não senti nada a não ser a doce anestesia 

substituindo a adrenalina do sangue.

Enquanto subia as escadas e tu me olhavas desde ontem

até agora

despi todo o passado da minha alma.

Despi a religião do Homem

e deitei-a, no teu lugar, onde outrora adormeceste.

Prefiro caminhar nua.

Na tua mão deixei o fogo ateado.

Deixei a destruição.

E quando olhei para trás

as cinzas que restavam

não chegavam sequer para lembrar o teu nome,

as tuas palavras, as tuas orações.

Da cruz aos pregos

restou nada.



2 comentários:

Mar Arável disse...

Nada é sempre algo

porque não há morte nem princípio

Teté disse...

Às vezes o passado pura e simplesmente deixa de existir. Aguarda-nos outro palco: o do presente e futuro... :)

Beijinhos!