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quinta-feira, 31 de maio de 2012
domingo, 27 de maio de 2012
sexta-feira, 25 de maio de 2012
A propósito de um sorriso
Após fechar a sua loja de brinquedos, Gustavo Armador percorria sempre as mesmas ruas da calçada lisboeta que formava os padrões elípticos tão bem conhecidos por ele. Tinha vontade de ser a criança que visitava a sua loja durante o dia de trabalho e percorrer esse mesmo caminho, curvando a sua vida nessas linhas escuras que marcavam as pedras brancas no chão. Mas pensava na sua idade e aquela criança que visitava a sua loja regressava para o mais recôndito da parte detrás do balcão da sua alma.
Como anoitecia depressa, o seu passo acelerava, acompanhando o cair da noite, enquanto ele próprio caía na percepção de mais um final de dia em que regressava a uma casa vazia de outros sem ser de si. Da janela da sua sala via a vida iluminada a néon lá fora e as pessoas que passavam pareciam ser sempre felizes, pelo menos mais do que ele, visto que pareciam percorrer aquela mesma calçada com um propósito qualquer. Não se teriam os deuses esquecido de si? Aos cinquenta anos de idade, solteiro, solitário, a sua única distracção era o seu suposto trabalho, que era mais do que isso: um ofício. Lembrava o velho Geppetto na construção dos seus bonecos e outros brinquedos de madeira...mas nunca encontrara um Pinóquio. A sua falta de perspectiva nunca lhe permitira encontrar tal ser, por mais imaginário que fosse.
O seu último trabalho era a base de um pequeno balão de ar. Desgastado da madeira de carvalho e gravado pela lâmina astuta da sua antiga navalha, a parte final seria apenas a pintura. A corda branca, o pano azul e os fios de cobre estavam já preparados e colocados de parte para serem acrescentados à base de madeira. Um pequeno camarão penduraria o topo do balão em qualquer superfície pronta a receber a sua última criação.
Todos os seus brinquedos eram de vários tipos de madeira e ao canto da loja, enquanto não entravam clientes ou simples "turistas da fantasia", amontoavam-se aparas de madeira, aparas de sonhos, que procuravam a perfeição de um novo ser.
Gustavo recebia os seus clientes, geralmente crianças acompanhadas pelos respectivos adultos, com muitos bons modos, mas no seu rosto parecia nunca ter sido gravado um sorriso. Ultimamente, vendia mais os seus brinquedos visto que estava na moda voltar aos brinquedos didácticos de madeira...e como as modas são coisas de irem e de virem, neste momento o seu negócio corria bem... Gustavo preferiria que se lhe chamasse ofício se estivesse a ler neste preciso momento. Mas como as vidas paralelas do narrador não se cruzam com as suas personagens, Gustavo não sabe que o seu ofício fora chamado de negócio.
Saberia em breve outra coisa...mais adiante.
Como em muitas histórias, um deus ex machina surgiu ao virar da esquina, calcorreando as pedras da calçada e prostrou-se à frente da vitrina da loja de brinquedos de Gustavo. Não fora de propósito...aliás, Salvador Amoreira era uma criança que nunca passara por aqueles lados de Lisboa. Chamou-lhe a atenção um pequeno saco que voava ao sabor do vento e pôs-se em sua perseguição e quando ele desapareceu na esquina daquele prédio antigo, os seus olhos apaixonaram-se pela vitrina da loja de Gustavo e o saco desaparecera da face da terra. O seu olhar saltava do pião antigo de madeira, já com a linha enrolada, às pequenas marionetas, que mais pareciam ter sido retiradas de um espectáculo de circo. Os barcos em miniatura e os comboios coloridos sem trilhos terminados. Já imaginava os seus dedos a dar vida às almas ocas daqueles bonecos e a sua imaginação já vestia a vida dos mesmos com histórias mirabolantes. Colou as palmas das mãos à montra e, a partir dessa manhã, passou a executar este gesto diariamente sem ser necessário um saco mirabolante a voar à sua frente. Admirava Gustavo a trabalhar nas suas pequenas peças de madeira e sentia, de vez em quando, o olhar daquele senhor de cara fechada, sobre si mesmo como se o interrogasse o que é que ele estava a fazer ali fora colado ao vidro. Mas Salvador não tinha coragem de entrar naquela loja de sonhos imóveis, mesmo que o seu coração palpitasse o suficiente para o espicaçar um pouco mais...e, assim, a cada dia que passava as suas mãos deslizavam pelo vidro até que tocou parte da moldura da porta de entrada da loja. Dali a entrar era só um passinho...e sabia que Gustavo já o conhecia...mas como nunca lhe vira uma coisa à qual estava tão habituado, sentiu uma espécie de estranheza: o sorriso. Gustavo nunca lhe sorrira e os adultos costumam sorrir a todas as crianças. Como criança que era e se prezava, era comum dirigirem-lhe diversos sorrisos, não só pelo seu ar matreiro como também pela sua aparente polidez mas verdadeira boa educação.
Voltando a Gustavo...
Quem seria aquele miúdo de olhos negros como os círculos da pedra da calçada que o tentava a percorrer como se fosse de novo uma criança? Todos as manhãs passava por ali, e namorava os seus brinquedos de longe, como se fossem pequenos tesouros fechados num museu. E como se ele próprio fosse o curador desse museu. Por que motivo não entraria esse menino? Tantas vezes por ali adentro lhe entraram diversas crianças de sopetão, só para admirarem mais de perto as suas pequenas obras. Estranho...muito estranho.
O balão estava terminado e só faltava pendurar do tecto da sua loja. Tinha uma pequena vela no fundo, que acesa não interferiria com o tecido do resto do balão nem com as cordas, sequer com as amarras de cobre.
Foi buscar umas escadas, de madeira como não podia deixar de ser, e pendurou-se o mais esticado possível para alcançar o camarão que já tinha colocado no tecto de modo a pendurar o seu mais recente brinquedo. E no preciso momento em que estava quase a pendurar o balão deixou de ver. A cegueira não era nem branca nem preta...não tinha definição e, assim sendo, por definição, era algo que o transcendia no momento da sua queda. Não havia asas de anjo que o suportassem nem fios de corda ou de cobre que o suspendessem. Nesse momento, Salvador entrou de rompante na loja e deu a mão a Gustavo para o ajudar a levantar-se...este último não conseguia ver ainda, mas sabia que era o menino da vitrina, só não sabia o seu nome.
- Era só mais um degrau nesta escada e o senhor conseguia chegar lá... - dissera Salvador.
Gustavo, ainda de mão dada a Salvador, começou a retomar a sua visão. Percebeu que tinha ido buscar as escadas mais pequenas em vez das maiores e tudo começa por um princípio...cada coisa está ajustada a outra coisa. Escolhera apenas as escadas erradas...mas a sua visão voltara.
O menino ajudou Gustavo a equilibrar-se sobre o peso do seu corpo e, num instante, as linhas de ambas as mãos deixaram-se de se tocar, apesar de já terem sido traçadas.
- És um bom menino. Muito obrigado por me teres vindo ajudar...como é mesmo o teu nome?
- Salvador...e sou um menino como os outros todos que passam por aqui...os seus brinquedos é que são diferentes, todos, uns dos outros...
Gustavo estava admirado com a resposta daquele menino de olhar negro como a noite e achou que ele é que era diferente das outras crianças que por ali entravam.
- Sabes, Salvador, falta uma coisa a este balão: um nome...queres ser tu a dar-me essa honra?
Salvador olhava do balão caído no chão para os olhos azuis e sérios de Gustavo, meio envergonhado. Ambos eram semelhantes numa coisa: caiam...o olhar e o balão pareciam ambos caídos no chão da vida sem nunca terem sido erguidos.
- Eu troco um nome por um sorriso seu. - disse, corajosamente, Salvador, meio encolhido entre a parede do seu corpo e a esquina da sua alma.
Gustavo, que nunca esperaria por uma resposta destas, mais do que um sorriso, deu uma gargalhada que lhe fez bater o coração mais depressa e ver os brinquedos da sua loja como eles eram de facto: diferentes. De repente, todos eles lhe lembravam o Pinóquio animado da velha história infantil! Ficou admirado consigo próprio. De tal modo ficou admirado que as lágrimas subiram-lhe ao andar de cima dos seus olhos.
- O senhor está a sentir-se bem? - perguntou Salvador, entre a confusão da gargalhada e do súbito marejar nos olhos revoltos de Gustavo.
- Salvador...tu tens um nome muito bonito. E por detrás dele a beleza ainda é maior.
Salvador, cruzou os pés, olhando o chão envernizado à maneira antiga...
- Eu já tenho mais do que tinha pedido: mais do que um sorriso ganhei uma gargalhada...agora falta a minha parte...gostava que o nome desse balão fosse o meu: Salvador.
Gustavo voltaria a tocar a sua linha da vida com a linha da vida de Salvador, pois nesse momento estendeu-lhe a mão e selaram um compromisso, que aos olhos de ambos, lhes parecia muito importante.
- Pois Salvador será... - e Gustavo sorriu.
O balão foi pendurado no dia seguinte, com o nome pintado com letras vermelhas a sangue vivo. Salvador visitava todas as manhãs Gustavo, e começou a aprender a amar um ofício. Gustavo aprendeu a sorrir e esperava todas as manhãs por Salvador, à mesma hora, como quem estava prestes a receber um presente.
E sabem como é que Gustavo fechava a loja ao anoitecer?
Duas voltas na tranca da porta, após cerrar os estores da vitrina e quando se centrava na calçada da rua, saltitava sobre as linhas negras e circulares dispostas na calçada lisboeta...isto...a propósito de um sorriso.
quinta-feira, 17 de maio de 2012
O teu riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera , amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
segunda-feira, 14 de maio de 2012
...havia um viajante que caminhava só à beira da estrada, no limite entre o passeio e o concreto, entre a loucura e a razão...de rosto virado para baixo, caminhava e só parava para apanhar as pedras que encontrava na linha do seu caminho...o saco que transportava pesava mais do que todos os seus pensamentos e as dores atrozes que lhe curvavam a coluna deixavam a sua angústia de rastos...um dia, quando deixou de olhar para o chão saiu da beira da estrada parou no passeio caíram-lhe as pedras no chão e as suas pernas tornaram-se raízes enquanto o seu pensamento floresceu...tinha descoberto o sol...
terça-feira, 8 de maio de 2012
quinta-feira, 3 de maio de 2012
"Se tu queres um amigo,
cativa-me!
Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe
de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A
linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto ...
No dia seguinte o principezinho voltou.
- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo,
às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for
chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada:
descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a
hora de preparar o coração ... É preciso ritos.
- Que é um rito? perguntou o principezinho.
- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa, É o que faz com que um
dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas."
...do eterno livro O Principezinho...
cativa-me!
Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe
de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A
linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto ...
No dia seguinte o principezinho voltou.
- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo,
às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for
chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada:
descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a
hora de preparar o coração ... É preciso ritos.
- Que é um rito? perguntou o principezinho.
- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa, É o que faz com que um
dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas."
...do eterno livro O Principezinho...
Hoje adormeci sobre a noite envolvendo-me nos sonhos aos quais não tenho direito e tapei-me com a miséria de uma alma arruinada. Por dentro, os pássaros dos céus negros caem mortos nos extremos do arco-íris...é que a chuva sem fim, mesmo não parando, deixava entrever o sol fulminante para todos os Ícaros ambiciosos que cruzavam esses mesmos céus.
Hoje, quando adormeci, os sonhos aos quais não tenho direito choraram tempos infinitos as lembranças do porvir e moldaram os seus corpos efémeros aos seus gémeos de oposição, os pesadelos, tornando-se o mesmo barro informe moldado por mãos omnipotentes e cruéis, dispostas a atirar esses sonhos ao chão que todos pisam.
Hoje, não adormeci, pois o meu corpo, apesar de deitado, tinha os olhos abertos para a suposta alma e as luzes amareladas que se acendiam mostraram os cantos arruinados dessa casa que já fora, outrora, uma casa de bonecas.
Hoje, se adormeci, não dei conta que as horas marcaram o seu percurso pois os minutos e os segundos deixaram tatuagens na minha pele, deixaram marcas a ferro e fogo demorado, enquanto queimava o tempo numa caixa de fósforos.
Hoje vou adormecer mais uma noite nas mãos do destino que se chama Eu e vou deixar o meu coração nas mãos a quem pertence...se o amarrotar e deitar fora, tanto me faz, não precisarei dele...se o guardar e acarinhar, tudo me fará, pois será o motivo pelo qual o sono chegará descansado como se fosse uma pequena princesa.
Hoje, quando adormeci, os sonhos aos quais não tenho direito choraram tempos infinitos as lembranças do porvir e moldaram os seus corpos efémeros aos seus gémeos de oposição, os pesadelos, tornando-se o mesmo barro informe moldado por mãos omnipotentes e cruéis, dispostas a atirar esses sonhos ao chão que todos pisam.
Hoje, não adormeci, pois o meu corpo, apesar de deitado, tinha os olhos abertos para a suposta alma e as luzes amareladas que se acendiam mostraram os cantos arruinados dessa casa que já fora, outrora, uma casa de bonecas.
Hoje, se adormeci, não dei conta que as horas marcaram o seu percurso pois os minutos e os segundos deixaram tatuagens na minha pele, deixaram marcas a ferro e fogo demorado, enquanto queimava o tempo numa caixa de fósforos.
Hoje vou adormecer mais uma noite nas mãos do destino que se chama Eu e vou deixar o meu coração nas mãos a quem pertence...se o amarrotar e deitar fora, tanto me faz, não precisarei dele...se o guardar e acarinhar, tudo me fará, pois será o motivo pelo qual o sono chegará descansado como se fosse uma pequena princesa.
quarta-feira, 2 de maio de 2012
São as cortinas que anunciam o final do espectáculo e os aplausos encerram mais um dia de vitória sobre a vida. A sobrevivência em estado latente aproxima-se das saídas de emergência que fogem, divergentes, para longe daqui.
Enquanto houver um palco em cima desta vida, a peça será sempre a mesma...só quero encontrar as escadas e descer até ao público e observar a vida passar de outra forma.
E que os aplausos sejam meus.
Enquanto houver um palco em cima desta vida, a peça será sempre a mesma...só quero encontrar as escadas e descer até ao público e observar a vida passar de outra forma.
E que os aplausos sejam meus.
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