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domingo, 1 de junho de 2008

VIAGEM AO PASSADO - 1ª parte

Demos férias à rotina e fomos em perseguição das raízes do nosso passado. Perante as agruras e passagem do tempo, podemos ser as actuais testemunhas, predispostas a decifrar as mensagens destes monumentos de granito, que fazem dos primórdios da civilização.
Iniciamos a nossa visita histórica no concelho de Fornos de Algodres. Graças à excelente preservação, organização e sinalização destes monumentos, tanto por parte da câmara, quer por parte do GAFAL – Gabinete Arqueologia de Fornos de Algodres (um centro criado de forma a divulgar, preservar e desenvolver actividades no âmbito da riqueza arqueológica do concelho), foi-nos possível concretizar essa mesma visita, nas melhores condições. Ou seja, óptimos acessos aos monumentos; informação objectiva sobre o local e um bom estado de restauro.
Regressámos ao passado, mais precisamente ao 4º milénio A.C. (período Neolítico), ao entrarmos no Dólmen de Cortiçô, com a leitura das informações do GAFAL, apercebermo-nos de que esta anta foi reutilizada no 3º milénio A.C. (período Calcolítico).

Com idêntica informação arqueológica, conhecemos também a Anta da Matança, em que a únicas diferenças consistem na ausência de mamoa e a presença de ténues vestígios de gravuras.
A caminho de Figueiró da Granja, ainda no período Calcolítico, e sob uma chuva intensa de granizo, chegámos ao Castro de Santiago, que está localizado num Tor granítico no ponto mais elevado do cabeço (612 m), entre as aldeias de Vila Chã e da Muxagata. Apresenta grandes penedos com vestígios de troços de muralhas, que levam a concluir que a escolha deste local, cumpriu um objectivo de estratégia defensiva. Para além disso, podemos beneficiar de uma vista espectacular, que se entende até ao sopé da Serra de Estrela, na área de Gouveia.

“ Há sobre os grandes rochedos amplas cavidades ou caldeiras cavadas na pedra, que não têm nenhuma significação histórica, por isso que são de origem natural, produzidas pela acção das chuvas, a que se dá o nome de «marmitas de gigantes», ou «cavidades eólias». “ (in TERRAS DE ALGODRES, por Monsenhor José Pinheiro Marques, 1938)

O tempo transita do Calcolítico para a Idade do Bronze, tal e qual como nós transitamos para a Fraga da Pena, entre Queiriz e Sobral Pichorro. A uma altitude de 750 metros ergue-se um gigantesco Tor granítico, que para além de preocupação defensiva apresenta vestígios de ter sido “ um local especial onde ocorreriam actividades espaciais de carácter simbólico e sagrado. Mais do que uma área residencial, aquele espaço terá sido construído como cenário de praticas ritualizadas. A atracção que o Homem pré-histórico terá sentido pelo local, tal como hoje, terá tido tudo a haver com a imponente formação granítica que constitui, o maciço rochoso que surge aos nossos olhos como a Fraga. “ (in texto introdutório de António Carlos Valera, A LENDA DA FRAGA DA PENA , de Rosa Costa, 2008).
Atravessando um pequeno orifício entre os rochedos, embocamos num “terraço” que nos dá uma imponente vista sobre o vale da Muxagata até à Serra da Estrela. Assalta-nos uma sensação de grandiosidade que nos transforma nos pequenos seres estáticos e presos na fruição do momento…a imaginação alia-se ao peso do silêncio e a alma fica de boca aberta perante aquela magnificência. Só visto e sentido. Olhando para o lado, numa saliência do penedo deparamo-nos com uma curiosidade…ora vejam lá se a descobrem?!
Ao visitar o CIHAFACentro de Interpretação Histórica e Arqueológica de Fornos de Algodres, tivemos a oportunidade de obter informação sobre actividades no âmbito de jornadas arqueológicas, sendo que uma delas era a realização de uma peça de teatral, encenada na Fraga da Pena, aproveitando o momento do pôr de sol até ao anoitecer, quando se acendem as luzes dos archotes e das fogueiras, facilitando a entrada num mundo mágico e misterioso. E a lenda “ONDPEDRACOM” volta a viver… “nenhum ser vivo podia aproximar-se deste local sem receber o apelo divino sujeitando-se a ser comido pelas pedras”.
De novo a caminho… outros vestígios divinos (tidos como pagãos) são encontrados num resto de uma ara romana aproveitada para fazer parede, na Igreja Matriz de Infias. Esta laje era dedicada ao deus Mercúrio e, até há pouco tempo, estava escondida atrás de um vaso de flores de plástico, que se encontrava no exterior da dita igreja, daí serem poucos a darem por ela. Na fotografia podemos verificar que esta ara encontra-se bastante deteriorada pelo tempo cronológico e meteorológico mas encontra-se a seguinte inscrição:
DEO
MERCVRI
APONEVS
SOSVMVS
A(nimo).L(ibens).V(otum).S(olvit).
Fomos mais para baixo no Concelho de Fornos, em direcção a Vila Ruiva e aí procurámos a Capela do Anjo porque ao seu redor sabíamos da existência de uma necrópole medieval. É um conjunto de mais de duas dezenas de sepulturas escavadas na rocha, com características diversificadas. Supõe-se que terá tido origem no século IX, com vestígios de ocupação ainda nos séculos X e XI.
Porém, nem tudo nesta viagem foi ouro sobre azul. Mudando de concelho, mais propriamente no de Mangualde, dirigimo-nos à Cunha Baixa para visitarmos a respectiva Anta. O acesso a este monumento está bem indicado, contudo, o acesso pedonal fez-nos crer que éramos uns Indiana Jones em busca da sua anta perdida, visto que era um autêntico caminho de cabras, desmoronado, cheio de silvas, ervas altas e lama, com um portão de ferro fechado. Com estas dificuldades encontramos a dita anta. Já esteve em melhores condições de conservação. É um monumento megalítico com câmara e corredor, datado entre 3000 e 2500 a.C.. O regresso foi realizado através de um caminho por nós improvisado, entre vinhedo particular e depois pela mata…era preferível ao caminho “oficial”. Ainda dentro do concelho de Mangualde, fomos ao suposto Castro do Monte do Bom Sucesso, a cerca de 765 metros de altitude, na freguesia de Chãs de Tavares. Não se encontra qualquer tipo de informação sobre ser um castro. O que se consegue ver é um monte cheio de silvas e ervas altas (mais uma vez!), totalmente devotado ao abandono de qualquer género de conservação. Para além disso, a via romana que se sabe existir também está escondida algures no meio desta descuidada vegetação. É lamentável que tal suceda, visto que é um um local com uma vista assombrosa que se estende até à Serra da Estrela, partindo de um monte em cujo topo se encontra uma muralha circular, em que o centro é um vértice geodésico. No interior dessa muralha podemos encontrar pedras muito antigas (gravadas com figuras de vieiras e formas circulares), assinalando uma certa presença ritualística. Descemos desse topo através de uma ampla e antiga escadaria que nos conduz ao sopé onde foi erguida a capela da Nossa Senhora do Bom Sucesso. Desta vez, os sons da natureza foram substituídos, desagradavelmente, pelo ruído das duas pedreiras que circundam o Monte do Bom Sucesso. Tudo em nome de outras prioridades, pelos vistos. No concelho de Aguiar da Beira, em Carapito, fomos conhecer o respectivo dólmen. Ele estava lá, após um acesso complicado via automóvel e depois pedonal. Quando lá chegámos deparámo-nos com alguns esteios quebrados e caídos por terra. A vegetação circundante era praticamente da nossa altura. Mais uma aventura na Beira! Passando para o concelho vizinho, em Sátão, tentamos visitar a Anta de Casfreires. A indicação até um dado momento é relativamente fácil. Estacionamos o carro perto de uma placa que indica a dita, anta a aproximadamente 600m de distância dali. Confiantes na boa sinalização, iniciámos o percurso a pé, por entre uma paisagem multicolor e magnífica. Após uns vários 600 metros sem encontrar a dita anta, chegámos a um cruzamento onde não existe qualquer indicação quanto ao rumo a seguir. Ora visto que não temos nenhum perfil para peregrinos de Fátima em busca de miragens perdidas no tempo e no bom senso, resolvemos desistir a procura e voltámos, com muita pena, para trás.
É de louvar a iniciativa da Câmara Municipal de Fornos de Algodres, do GAFAL e do CIHAFA, em termos de acessos, preservação e divulgação dos nossos monumentos megalíticos, que não são só pedras; e gostaríamos de apontar o dedo aos restantes concelhos e respectivas câmaras municipais, no sentido de tomarem este exemplo e cuidarem melhor deste património nacional que é de todos.

“Mas proteger, salvaguardar e valorizar não basta. Antes de tudo o mais, há que não esquecer para quem este trabalho se destina. De uma maneira geral, para todos nós, mas de uma maneira muito mais concreta para as populações locais: para aqueles que vivem em torno desses vestígios que representam, em muitos casos, as suas origens. “ (texto introdutório de António Carlos Valera, IBIDEM).
Nota: Muitos dos vestígios históricos encontrados nos referidos monumentos podem ser vistos em exposição permanente no CIHAFA, situado no edifício do tribunal de Fornos de Algodres. É de salientar a extrema simpatia, atenção e partilha de informações que nos foram facultadas por parte da técnica que aí se encontrava (já agora, esperamos que já se encontre restabelecida!).
texto por taliesin e su

22 comentários:

1/4 de Fada disse...

Magnífica lição de História, deixou-me cheia de vontade de refazer os vossos passos. A imagem da rocha é a "cabeça do velho"? Os meus avós paternos eram de uma aldeia ao pé de Seia, mas eu conheço muito pouco da região. Os meus pais e eu somos todos lisboetas. Parabéns aqui da prof. de História.

Papoila disse...

Querida Su:
Uma magnifica viagem pelas antas de Fornos de Algodres muito bem documentada, e com um conjunto de fotos belíssimas!
Beijos

Susana Júlio disse...

1/4 de fada: É sempre bom reencontrar as nossas origens, especialmente quando são em locais tão diferentes do nosso dia-a-dia! Essa zona perto de Seia é igualmente bonita! Não, a "Cabeça do Velho" é mesmo na Serra da Estrela! Obrigado pela atenção. :))

papoila: Obrigado pelas palavras. Tudo o que fizemos nesta viagem foi sempre com extremo gosto e com a sensação de que o tempo era muito pouco para aquilo que ainda queríamos ver...para além de que o próprio tempo não ajudou: chuva e frio. Beijinhos!

Teté disse...

Grande aventura! Mas é sempre bom sair da rotina e encontrar um pouco desses pedaços de história, se bem que alguns maltratados e praticamente abandonados como referem no texto.

Bem olhei para a foto que referem, mas a única sensação que me deu é que a pedra de cima foi colocada sobre a outra, não tenho a certeza se será isso.

Nessa da ara escondida por um vaso de flores de plástico, até me deu um baque... mas ainda ri com os "novos" Indiana Jones em Busca da Anta Perdida. Quer dizer, não deveria ser para rir, mas mais para lamentar, mas achei piada à expressão!

Escusado será dizer que as fotos estão fabulosas. Bem dentro do contexto do vivo relato sobre a visita a esses monumentos, edificados por antepassados tão antigos.

Jinhos e parabéns a ambos!

Kátia disse...

Uma verdadeira aula com certeza!!!Menina!Estavas tanto tempo sem escrever e quando volta vem assim?Olhe,fotos bem tiradas.Texto minucioso e o gosto em fazer o que se faz.Ficou tudo explícito!

Agora,levanta daí e vamos brindar lá no P'ra te ter...

Beijo e cheiro!
:)

Anónimo disse...

Muitos parabéns por este texto (e óptimas fotos) sobre o património das "Terras de Algodres"!
Saudações algodrenses,

O Árabe disse...

Dificuldades à parte, Su... que bela viagem!!!

Matchbox32 disse...

Bem, isto é que foi passeio!
Realmente, devem ser sítios muito bonitos.
Belas fotos.

Képia disse...

ó menina Sú andou aqui tão pertinho de nós e não nos avisou... uhmmmm bem ... bem...

lol estou a bricar :) se não avisas-te é porque não era para avisar ahahaahh (estava só a armar-me em abelhuda :/)

que lindo passeio, que bela informação e que belas fotos. Uauuu
fiquei com vontade de ir lá a correr. Na primavera não posso de todo, mas fiquei com a pulga atrás da orelha e no Outono sou menina para ir ;)


ahh Su aind abem que gostaste das pulseiras foi a Lenita que me ajudou a decidir :) e desculpa nem sequer um papelinho ou cartão dentro da encomenda ma snão tive tempo mesmo.

obrigada pela dica

Um beijo directamente do interior ;)

Fliss and Mike Adventures disse...

Hello... though I cant' read what you wrote I did enjoy looking at the photos on the site... I am glad that you liked the postcard that my husband Mike sent... I do like Postcrossing... feel free to visit my site and my photography site...
http://snappyadventures.blogspot.com
Take care...

susemad disse...

As fotos tão lindíssimas e revelam dias bem passados!
Obrigada também pelo miminho que já chegou até mim. Assim terei sempre comigo um pedaço dos teus dias maravilhosos em Fornos de Algodres. Gostei imenso! :)

Beijinho

butterfly disse...

E que viagem ao passado,cheio de história e muito bem retratado...agora espero a continuação :)
beijinhos!!

Susana Júlio disse...

teté: É uma aventura que temos sempre um grande gosto em concretizar. Venham mais oportunidades...esta coisa da história e dos antepassados mexe muito comigo e estou sempre com curiosidade para visitar e conhecer mais e mais.
Não é nenhuma pedra sobre pedra...é ela mesmo assim...mas tem uma forma de rosto, o que é muito curioso!
Beiijinhos bem grandes, amiga.

Kátia: Já te dei os parabéns e volto a dar pelo aniversário do teu blog fantástico e acolhedor...a Teia vai fazer uns dois anos e quase dois meses e eu nem dei por nada...tenho de comemorar também! ;))) Beijinhos.

ns: Muito obrigado. É uma terra linda, uma zona linda que já conheço desde que me lembro enquanto pessoa. Um bem a preservar! Saudações! :))

o árabe: Acredita que foi uma viagem e tanto! Voltava a repetir as mesmas dificuldades pelo prazer da viagem em si. Beijinhos.

matchbox: é sempre tão bom passear...e levar a tiracolo uma máquina para o que der e vier! Beijinhos.

Képia: Sei bem do que falas da falta de tempo...nãoa ndamos assim todas agora nesta altura do ano, a correr entre notas e testes finais e afins?! Eu quase nem tenho tempo para vir aqui à net. A pulseira é de muito bom gosto, sim! :)) Obrigado à Lenita por ter ajudado também! :)) Pois é, andei a passear por terras de criança, de família, de férias do Verão desde há anos...são os meus locais de infãncia, de adolescência, de crescida...e são lindos! No Outono?! É só dizeres!!! Podemos combinar uns passeios bem giros! ;) Beijinhos bem grandes, enormes.

fliss: Hi there. I`m going to visit you, of course. I love photos! Thanks! Once more. :)) Kisses.

tons de azul: Também tenho a agradecer-te os miminhos que venho recebendo...é sempre óptimo! ;)) Beijinhos grandes.

butterfly: Em breve vai a parte dois! Agora com mais um pouco de tempo, vamos a ver. Beijinhos grandes.

Al Cardoso disse...

Bem haja pela visita a minha terra e pelas palavras elogiosas!

Um abraco dalgodrense.

Al Cardoso disse...

Quanto ao penedo, (ou penedro, como se dizia outrora!) nao seram dois seios de mulher?!

Susana Júlio disse...

al cardoso: De nada. É sempre com muito gosto que se partilham estes interesses comuns pelo nosso património. :))
Pois esse penedro (é verdade...a minha avó diz assim essa expressão!) a nós pareceu-nos um rosto de perfil!!! Mas há sempre subjectividade em tudo o que a visão alcança...
Saudações!

Porcelain disse...

Ora vês... tudo terras que conheço de nome... mas do resto nada sabia... :-ZZ como de costume :-PP

Olha, gostaste mesmo da pulseira? Achei que das que a Képia tinha era a que mais tinha a ver contigo... se não gostaste, daqui a uns tempos dizes-me boa? Eheheh, que mais do que saber que "acertei" eu prefiro, sim, compreender verdadeiramente os teus gostos!

Bjoka

Susana Júlio disse...

lenita: parece-me que tens de dar umas voltas mais acima a Norte para conhecer, por exemplo, estas terras...tem coisas lindas...e super interessantes. Não me importo de ser uma pseudo guia! ;)))

Gostei mesmo da pulseira. Gosto deste estilo e destas cores. Já a usei uma série de vezes!!

:))

Porcelain disse...

Que bom minha querida, que bom que gostaste... eu adorava que tu fosses minha guia (jamais serás "pseudo" seja lá no que for)... adorava mesmo... não te esqueças que um pouco mais a baixo a guia posso ser eu, boa? Eheheh!!

Bjoka!!

Susana Júlio disse...

lenita: Então parece-me que temos umas coisas a combinar, certo?! E muitos anos de vida pela frente para fazer assim umas visitas por aí fora, boa?! :)))) Beijinhos grandes.

Porcelain disse...

Boooaaa!!! ;-DD

Beijoo!!

Portugal Notável (Castela) disse...

Realmente vale a Pena visitar o Castro da Fraga da Pena, pela arqueologia, pela imponência do tor granítico e pela paisagem.