Tenho quase um dia, agora. Cheguei ontem. Pelo menos é o que me parece. E deve ser assim, porque se houve um anteontem eu não estava cá quando aconteceu, caso contrário lembrar-me-ia. Pode dar-se o caso, claro, de ter acontecido e eu não reparar. Pois muito bem: agora vou estar atenta e se houve algum anteontem tomo nota. Será melhor começar já e não baralhar as datas porque tenho cá o pressentimento de que estes pormenores um dia serão importantes para os historiadores.
Porque me sinto como uma experiência, sinto-me exactamente como uma experiência; seria impossível uma pessoa sentir-se mais como uma experiência do que eu, e portanto começo a convencer-me de que sou isso mesmo – uma experiência; apenas uma experiência, e nada mais. Então se sou uma experiência, serei só eu a fazer parte? Não, penso que não; acho que o resto dela também faz parte. Sou a parte principal, mas penso que o resto da experiência também tem a sua participação. A minha posição estará assegurada, ou terei de prestar atenção e precaver-me? Talvez a segunda hipótese seja a mais acertada. Há como que um instinto que me diz que a supremacia se ganha à custa da vigilância permanente. (Esta é uma boa máxima penso, para alguém tão jovem como eu). Tudo parece melhor hoje do que ontem.”
“Sábado
Hoje apercebo-me melhor das distâncias. Estava tão ansiosa por agarrar todas as coisas bonitas que me atirava a elas às cegas, às vezes quando estavam longe de mais, e outras vezes quando estavam muito perto mas pareciam longe… e infelizmente, com espinhos no meio! Aprendi uma lição; também compus um axioma, tudo da minha cabeça – é o meu primeiro: A experiência do arranhão faz-nos evitar o espinho. Penso que é muito bom para alguém tão jovem.
Segui a outra Experiência, ontem à tarde, à distância, para ver se descobria para que serve. Mas não consegui. Penso que é um homem. Nunca tinha visto um, mas era o que parecia, e tenho a certeza que é.”
“Sexta-feira
Há certas coisas que não se podem saber; mas por palpite ou suposição nunca se saberá quais: não, há que ter paciência e continuar a fazer experiências até se concluir que não se pode saber. E é maravilhoso sabê-lo assim, torna o mundo muito interessante. Se não houvesse nada para descobrir, seria monótono. O simples esforço de tentar e não descobrir é tão interessante como tentar e descobrir, e não sei até se não será melhor.”
“Na campa de Eva
O Paraíso era onde quer que ela estivesse.” (Adão)
in Diário de Eva, de Mark Twain, Editora Ela por Ela. Encontrei, por acaso, esta pequena preciosidade (que depois me foi oferecida pelo Taliesin) na 33ª Feira do Livro da Nazaré, que ainda está a decorrer; entre dois dias de pausa da cidade, para encontrar o mar, amigos e barquinhos de doce de ovo e de chocolate. Não sabia que Mark Twain tinha escrito este Diário de Eva, “relato das primeiras impressões da nossa mãe Eva, (…) como uma carta de amor para a sua mulher.” Foi uma obra que esteve afastada das bibliotecas públicas em 1906 pelo simples facto da personagem de Eva aparecer “vestida ao estilo do Jardim do Paraíso, isto é: nua”! Nas belas e ingénuas ilustrações de Lester Ralph.
É um pequeno, mas grande tesouro, repleto de consideráveis reflexões sobre a condição humana, que se lê num tom ligeiro de humor e de redescoberta deste autor. Pelo menos, assim funcionou para mim. Mais do que uma prova de amor, uma exortação às melhores qualidades e capacidades da mulher e do homem. Uma lição de como reaprender a olhar para as coisas mais simples e eternas da vida.
Sugestão musical: Tricky - Knowle West Boy (2008)
P.S.: Continuam a decorrer as inscrições para a TROCA PARA MARCAR! Não se esqueçam.